07 de Fevereiro de 2023
O canto dos pássaros
Pe. Miguel Ramon
Meu vizinho criava canários. A cada manhã me acordavam com seu canto. Sempre me lembrava do meu pai que tinha a mesma paixão pela criação de canários. Ele cuidava desses pássaros com muita afeição e dedicação. Trocava regularmente a água e botava as sementes que gostavam de comer.
Um dia vi uma reportagem na televisão que mostrou um morador junto à sua casinha de taipa no interior da Bahia. Pendurada na parede tinha uma gaiola com uns belos canários. Na frente do repórter ele soltou os pássaros. Um ano depois o mesmo repórter voltou ao lugar e desta vez filmou um belo espetáculo de um ninho de canários que tinha sido feito em cima de um poste de luz a uns cem metros da casa. Deu até para acompanhar o voo dos pássaros em liberdade e escutar o canto do casal feliz com seus filhotes.
Há muitos manuais que ensinam como criar e cuidar de pássaros. Há especialistas que podem nos dar os melhores conselhos e partilhar dicas preciosas. Podem orientar até nos mínimos detalhes. Mas nada disso serve para quem gosta de ouvir o canto deles voando livremente na natureza.
Esta história me fez refletir muito sobre a maneira como ainda hoje se fala da fé e se propaga tantas formas de espiritualidade separada da vida real. Há um retorno assustador a ritualismo, religiosidade fundamentalista, dogmatismo e moralismo, destinado aparentemente a cristãos que preferem viver como em gaiolas, isolados nos seus mundos estratosféricos e imaginários em vez de se lançar livremente no compromisso de trazer o Reino de Deus para mais perto da realidade sociopolítico em que vivem. A vocação do cristão não é cantar bonito dentro dos muros da sua igreja. Sua missão é ser sal da terra e luz do mundo para transformar as realidades sociais em que vive pelo encantamento do amor divino. Seus cantos podem até soar bonitos, mas não há como comparar com os hinos de louvor que ressoam da boca de quem, liberto das amarras de uma religiosidade superficial, se coloca a serviço da vida e da dignidade de quem está ferido à beira da estrada. É para a liberdade que Cristo nos libertou.